Há filmes que passam. E há filmes que permanecem — gravados na memória como uma pintura viva. Lawrence da Arábia é um desses. Lançado em 1962, o épico dirigido por David Lean não apenas contou a história de um homem em conflito entre dois mundos, mas também eternizou nas telas algumas das paisagens mais arrebatadoras que o cinema já registrou.
Com sua fotografia grandiosa, tomadas largas do deserto, luz cortando as dunas e fortalezas de pedra surgindo como miragens, o filme transformou o Marrocos em um cenário mítico, digno das maiores jornadas espirituais e existenciais.
Embora a história de T. E. Lawrence tenha se passado em boa parte na Península Arábica, foi em terras marroquinas que o cinema encontrou o seu palco ideal. Ouarzazate, Aït Benhaddou, as dunas de Merzouga e os estúdios perdidos no deserto formaram o pano de fundo para uma narrativa que mistura aventura, introspecção e legado.
Neste artigo, você vai descobrir como visitar os locais onde Lawrence da Arábia foi filmado — e mais do que isso, como viver sua própria epopeia cinematográfica. Um roteiro por fortalezas históricas, paisagens imensas e experiências que vão além do turismo: você vai caminhar por lugares onde o tempo parece ter parado — e onde a sua própria história pode começar.
O Marrocos como cenário de um épico
Quando David Lean decidiu levar às telas a história de T. E. Lawrence, ele sabia que precisava mais do que um bom roteiro ou grandes atuações. Ele precisava de um cenário que fosse, por si só, protagonista. Um cenário vasto, intocado, que evocasse não apenas a grandiosidade da jornada, mas também o vazio, o silêncio e a transformação interna do personagem. E foi assim que o Marrocos se tornou parte essencial da alma de Lawrence da Arábia.
Embora parte da narrativa aconteça na Jordânia e na Arábia Saudita, filmar nesses locais nos anos 60 era logisticamente complexo e politicamente delicado. O Marrocos, por outro lado, oferecia estrutura, segurança e uma geografia impressionante, com tudo que a produção precisava: desertos imensos, fortalezas de barro (ksars) preservadas desde o período medieval, montanhas avermelhadas e uma luz natural cinematográfica como poucas no mundo.
Regiões como Ouarzazate, conhecida como a “Hollywood do Deserto”, e a icônica Aït Benhaddou, com suas muralhas de argila erguidas sobre o vale, se tornaram cenários perfeitos para criar a atmosfera mítica do Oriente Médio retratado no filme.
Mas o Marrocos não apenas serviu como locação — ele foi eternizado. Após Lawrence da Arábia, inúmeros filmes épicos seguiram seus passos: Gladiador, A Múmia, Game of Thrones, Príncipe da Pérsia. Todos beberam da mesma fonte: o charme bruto e monumental do sul marroquino.
Mais do que pano de fundo, o deserto marroquino se tornou símbolo de aventura, introspecção e reencontro consigo mesmo. Um lugar onde as distâncias externas refletem jornadas internas. E hoje, décadas depois, esses mesmos lugares continuam lá — esperando por novos viajantes, novas histórias, novos olhares.
Locais do Marrocos usados no filme e como visitá-los
O Marrocos serviu como moldura viva para muitas das cenas mais icônicas de Lawrence da Arábia. A grandiosidade do deserto, os tons ocres das muralhas antigas e a luz dourada do fim de tarde criaram um cenário que parecia saído da imaginação — mas era (e ainda é) real e acessível.
Aqui estão os principais lugares usados na produção — e tudo o que você precisa saber para visitá-los:
Aït Benhaddou – Região de Ouarzazate
Cena no filme: Usada para retratar cidades muradas e postos avançados nas campanhas de Lawrence.
Como visitar: A 30 km de Ouarzazate. Acesso por estrada asfaltada; a vila exige caminhada a pé por ponte e ruas de pedra. Melhor época: primavera (março a maio) ou outono (setembro a novembro).
Curiosidade: Patrimônio Mundial da UNESCO, Aït Benhaddou também foi cenário de Gladiador, Game of Thrones e Príncipe da Pérsia. Algumas famílias ainda vivem nas construções de barro originais.
Ouarzazate – Sul do Marrocos
Cena no filme: Cidade base da produção; diversas cenas urbanas e de bastidores foram montadas aqui.
Como visitar: Voo direto de Casablanca ou Marrakech. Estrada panorâmica cruzando o Alto Atlas.
Curiosidade: Conhecida como a “Hollywood do Deserto”, Ouarzazate possui infraestrutura cinematográfica e recebe produções internacionais há décadas. É o ponto de partida ideal para explorar os demais cenários do filme.
Merzouga e as Dunas de Erg Chebbi – Deserto do Saara
Cena no filme: Cenas de travessia e contemplação do deserto foram inspiradas por essa paisagem.
Como visitar: De Ouarzazate, 8h de carro (ou ônibus com pernoite). Melhor época: entre outubro e abril, evitando o calor extremo do verão.
Curiosidade: As dunas chegam a 150 metros de altura. Passeios de dromedário, acampamentos berberes e trilhas noturnas tornam a experiência ainda mais cinematográfica.
Vale do Draa – Entre Ouarzazate e Zagora
Cena no filme: Planícies usadas para cenas de caravana e longos deslocamentos no deserto.
Como visitar: Rota de carro entre Ouarzazate e Zagora (cerca de 5h), com vilarejos históricos ao longo do caminho.
Curiosidade: A região abriga kasbahs centenárias e um dos maiores palmeirais do Marrocos — contrastando com a aridez do Saara. Ideal para quem busca imagens dignas de tela grande.
Estúdios Atlas – Ouarzazate
Cena no filme: Partes do filme foram produzidas em sets construídos no local.
Como visitar: Entrada paga e guiada. Localizados na entrada de Ouarzazate, próximos ao aeroporto.
Curiosidade: Os estúdios ainda preservam cenários usados em Lawrence da Arábia e dezenas de outras produções. É possível visitar sets de templos egípcios, fortalezas romanas e palácios orientais — todos no meio do deserto.
Roteiro de 5 a 7 dias para uma viagem inspirada no filme
Viajar pelos cenários de Lawrence da Arábia é mais do que turismo — é uma travessia visual, emocional e simbólica. Este roteiro de 5 a 7 dias foi pensado para guiar o leitor por paisagens épicas, passando pelos mesmos caminhos que encantaram as lentes de David Lean e transformaram o Marrocos em sinônimo de aventura cinematográfica.
Dia 1: Chegada a Marrakech
- Chegue por voo internacional e reserve o dia para se aclimatar.
- Hospede-se em um riad tradicional na medina para já começar a imersão cultural.
- Aproveite a tarde para visitar a Praça Jemaa el-Fna, repleta de artistas de rua, aromas e sons que parecem trilha sonora de um filme.
- Jantar típico com vista para o movimento da cidade antiga.
Dia 2: Viagem até Ouarzazate + Estúdios Atlas
- Pela manhã, pegue a estrada do Alto Atlas em direção a Ouarzazate (aprox. 5h de viagem), cruzando paisagens que já parecem um épico.
- Parada em Tizi n’Tichka, o ponto mais alto da rota, para fotos.
- À tarde, visita aos Estúdios Atlas, onde cenários de Lawrence da Arábia e outros filmes históricos estão abertos à visitação.
- Pernoite em Ouarzazate.
Dia 3: Aït Benhaddou + Vale do Draa
- Saída cedo para Aït Benhaddou (30 min de carro), com tempo para explorar cada viela, muralha e mirante dessa fortaleza de barro cinematográfica.
- Almoço com vista para o ksar.
- À tarde, siga para o Vale do Draa, com paisagens de palmeirais, kasbahs e montanhas avermelhadas — cenário de caravanas no filme.
- Pernoite em pousada tradicional em Agdz ou Zagora.
Dias 4 e 5: Merzouga + travessia de dromedário pelas dunas
- Longa viagem rumo ao Saara (aprox. 6h de estrada), mas com paisagens dignas de cartão-postal a cada curva.
- Ao chegar em Merzouga, troca de transporte: suba em um dromedário e siga até um acampamento no meio das dunas de Erg Chebbi.
- Noite sob as estrelas, com jantar berbere e percussões ao redor da fogueira.
- No dia seguinte, explore as dunas ao amanhecer e conheça vilarejos nômades próximos.
- Pernoite em acampamento ou em hotel com vista para o deserto.
Dia 6: Retorno por rota panorâmica
- Retorno por uma rota alternativa passando por oásis e vilarejos esquecidos pelo tempo.
- Paradas para fotos, chá com moradores locais e contemplação da vastidão.
- Pernoite em Ouarzazate ou, se o tempo permitir, direto em Marrakech.
Dia 7: Encerramento em Marrakech
- Dia livre para explorar os jardins Majorelle, o Palácio Bahia ou se perder nos souks coloridos da medina.
- Último almoço em um terraço tradicional.
- Encerramento com um novo olhar sobre tudo o que foi vivido — como se tivesse terminado sua própria versão de Lawrence da Arábia.
Como viver a experiência cinematográfica
Transformar sua viagem ao Marrocos em uma verdadeira jornada à la Lawrence da Arábia vai além de visitar os cenários do filme — é sobre entrar na atmosfera, deixar-se levar pelo ritmo do deserto e adicionar camadas de emoção, estética e simbolismo à sua experiência.
Aqui vão algumas formas simples (e inesquecíveis) de fazer isso:
Vista-se como se estivesse no filme
Use roupas inspiradas nos tons e texturas do longa:
- Cores neutras (bege, branco, areia, cáqui) combinam com a paisagem e ajudam no calor.
- Tecidos leves e respiráveis (linho, algodão) criam conforto e estilo natural.
- Turbantes ou lenços não só protegem do sol como evocam a imagem clássica de Lawrence cruzando as dunas.
- Sandálias de couro ou botas leves completam o visual cinematográfico.
Dica: Algumas lojas locais em Ouarzazate e Merzouga alugam trajes típicos para sessões de fotos.
Crie sua própria trilha sonora épica
Antes mesmo de chegar, monte uma playlist com a trilha original de Maurice Jarre, que ganhou o Oscar pela sua composição monumental.
- Ouça no carro, ao cruzar o Vale do Draa.
- Deixe tocar nos fones enquanto observa o nascer do sol em Merzouga.
- Use como pano de fundo para escrever, refletir ou até sonhar acordado em uma duna.
A música não só acompanha — ela amplifica a emoção da paisagem.
Recrie cenas icônicas com suas próprias fotos
Você não precisa um estúdio para fazer isso. Basta sensibilidade, ângulo e luz natural:
- Suba uma duna ao entardecer e fique de costas para a câmera, como Lawrence observando o horizonte.
- Use ruínas de Aït Benhaddou como pano de fundo para fotos em silêncio contemplativo.
- Recrie cenas com a sombra do dromedário ao amanhecer.
- Faça vídeos curtos com movimentos lentos, aproveitando a luz dourada e o vento sutil do Saara.
Dica: Leve um tripé compacto e explore ângulos baixos — como no filme.
Escreva um diário de bordo como se fosse o próprio Lawrence
Mais do que registrar o que você viu, registre o que sentiu:
- Anote pensamentos soltos, frases que vêm com o silêncio do deserto.
- Escreva cartas para si mesmo, como se estivesse descobrindo novas terras interiores.
- Descreva a luz, os sons, os cheiros — o Marrocos é uma experiência sensorial.
- Releia trechos do livro “Os Sete Pilares da Sabedoria” para inspirar reflexões.
Dica: Escolha um caderno rústico ou de capa de couro para entrar no clima da narrativa.
Durma sob as estrelas e jante no coração do deserto
Uma das experiências mais marcantes da viagem é acampar em meio às dunas de Erg Chebbi:
- Chegue ao acampamento de dromedário ao pôr do sol.
- Participe de um jantar berbere com tagine e chá de menta.
- Sente-se ao redor da fogueira, sob o céu mais estrelado que você verá na vida.
- Deite no silêncio absoluto e sinta-se pequeno — e, ao mesmo tempo, parte de algo imenso.
É ali que a magia do cinema encontra a realidade.
E você percebe que está vivendo uma cena que jamais será esquecida.
Dicas práticas para a viagem
Viajar pelo Marrocos com olhos de cineasta e alma de explorador exige mais do que admiração — exige preparo e respeito. Para garantir que sua jornada seja tão épica quanto confortável, reunimos aqui algumas dicas práticas que fazem toda a diferença.
Melhor época para ir
- Outono (setembro a novembro): temperaturas amenas, céu limpo e luz dourada — perfeita para fotos cinematográficas.
- Primavera (março a maio): clima agradável, flores no oásis e menos aglomeração que no verão.
- Evite o verão (junho a agosto): o calor nas regiões desérticas pode ultrapassar os 45°C.
Guias locais fazem toda a diferença
- Contratar guias berberes para explorar dunas, ksars e vales oferece contexto, segurança e histórias locais que nenhum GPS mostra.
- Em Aït Benhaddou, alguns guias nasceram dentro das muralhas e contam curiosidades de bastidores de filmagens.
- Tours de dromedário com guias experientes são mais seguros e respeitam o bem-estar dos animais.
Dica: Sempre negocie os valores antes do passeio e verifique se há certificado ou recomendação.
Cuidados com o clima e o sol
- Leve protetor solar de alta proteção, mesmo no inverno — o reflexo nas dunas queima.
- Óculos escuros, chapéu ou turbante são indispensáveis nas caminhadas diurnas.
- Prefira roupas largas, respiráveis e de manga longa — protegem e ajudam a manter a temperatura do corpo.
Respeito à cultura local
O Marrocos é um país de tradições fortes, especialmente em aldeias berberes e regiões rurais:
- Evite roupas muito curtas ou justas — tanto homens quanto mulheres devem optar por discrição.
- Não fotografe moradores sem permissão, especialmente mulheres e idosos.
- Cumprimente com respeito e esteja aberto ao ritmo local, mais lento e contemplativo.
- Em mesquitas ou locais sagrados, tire os sapatos e mantenha o silêncio.
Dica: Aprender algumas palavras em árabe ou berbere é um gesto bem-vindo e valorizado.
Onde se hospedar: entre o rústico e o cinematográfico
- Em Marrakech e Ouarzazate, riads tradicionais (casas marroquinas com pátio interno) oferecem charme, hospitalidade e conforto.
- No deserto, escolha acampamentos de luxo em Erg Chebbi com tendas privativas, banheiro e até energia solar.
- Para uma experiência ainda mais imersiva, há ecolodges e pousadas familiares em vilarejos como Agdz, Merzouga ou Tamnougalt.
Dica: Reserve hospedagens com antecedência nos meses de alta (abril, outubro e feriados religiosos).
Conclusão
Lawrence da Arábia é mais do que um filme. É um mergulho na vastidão — do deserto e da alma. Uma história que, mesmo ambientada no início do século XX, fala de algo atemporal: a busca por identidade, por sentido, por algo maior do que nós mesmos.
Ao seguir os passos de T. E. Lawrence pelo Marrocos, não estamos apenas refazendo um roteiro cinematográfico. Estamos entrando em contato com paisagens que nos convidam ao silêncio, à introspecção e à beleza crua do mundo. Porque o deserto não é vazio — ele é espelho. E cada duna, cada ruína, cada pôr do sol tingido de vermelho carrega a possibilidade de um reencontro consigo mesmo.
Viajar por esses cenários é, no fundo, uma forma de se perder para se encontrar.
De se desconectar do excesso, do barulho, da pressa — e se reconectar com aquilo que realmente importa.
Porque, às vezes, o cenário mais vasto é justamente o que revela com mais clareza quem somos.Então, se você sente que chegou a hora de viver sua própria epopeia, saiba: ela não precisa de roteiro pronto.
Ela começa quando você pisa na areia, respira fundo… e simplesmente caminha.